Na noite de 15 de abril de 2025, João Neto, advogado e influenciador jurídico com milhares de seguidores nas redes sociais, foi preso em flagrante por agredir a companheira dentro do próprio apartamento, em Salvador. O caso, inicialmente noticiado como “desentendimento doméstico”, rapidamente ganhou contornos graves com a divulgação de vídeos e laudos do Instituto Médico Legal (IML) que contradizem a versão apresentada pela defesa.
Enquanto os advogados de João alegam que “não houve agressão” e que as imagens foram “editadas para incriminar”, os vídeos mostram gritos, movimentações bruscas e, em um trecho particularmente chocante, a vítima pedindo por socorro. O laudo do IML confirma lesões compatíveis com violência física, incluindo hematomas no braço esquerdo e escoriações no pescoço.
Passado polêmico e sinais ignorados
João Neto não é um nome novo no noticiário policial. Ex-policial militar, ele foi dispensado da corporação em circunstâncias nunca oficialmente esclarecidas. À época, a PM limitou-se a informar que a saída foi “por motivos administrativos”.
Após deixar a corporação, João construiu uma carreira sólida como advogado criminalista e comentarista jurídico nas redes. Mas a ascensão veio acompanhada de polêmicas: em 2024, protagonizou um episódio de agressividade ao discutir com uma promotora durante uma audiência pública, chegando a derrubar o microfone da mesa. O caso foi abafado pela defesa, que alegou “excesso de paixão pela causa”.
Em participações em podcasts, João expressou opiniões que hoje soam ainda mais perturbadoras. Em uma gravação de novembro de 2023, declarou: “Mulher sabe provocar. Às vezes ela vai testando o limite do homem. É biológico.” A fala, amplamente criticada à época, foi posteriormente minimizada como “recorte fora de contexto”.
Leis, ordens e omissões
Atualmente, João Neto responde pelo crime de lesão corporal no contexto de violência doméstica, conforme o art. 129, §9º, do Código Penal, combinado com a Lei Maria da Penha (11.340/2006). A pena prevista é de três meses a três anos de detenção, podendo ser agravada em caso de reincidência ou descumprimento de medidas protetivas.
Mais do que a responsabilização penal, o caso reacende o debate sobre a atuação das instituições jurídicas em casos de violência cometida por seus próprios membros. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em nota, informou que o caso foi remetido ao Tribunal de Ética e Disciplina da seccional baiana.
Segundo o regulamento interno da OAB, após denúncia formal, o prazo para instauração de procedimento disciplinar é de até 30 dias. As penalidades possíveis vão de censura à suspensão do exercício profissional por até 12 meses, podendo chegar à exclusão em casos extremos e reincidentes.
Casos semelhantes, como o do advogado Paulo R. S., em 2021, que agrediu a ex-esposa em um fórum e teve a pena revertida em serviços comunitários, geraram críticas pela morosidade e leniência da Ordem. Organizações feministas alertam que, na prática, a OAB costuma agir apenas sob forte pressão pública.
Violência de toga: um fenômeno subnotificado
Embora não haja dados específicos sobre violência doméstica praticada por advogados, estudos indicam que profissões com elevado status social e retórica persuasiva estão longe de serem imunes à dinâmica do abuso. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 1 em cada 4 mulheres sofrerá algum tipo de violência doméstica ao longo da vida. No universo jurídico, o silêncio muitas vezes é mais eficaz que a denúncia — principalmente quando o agressor ocupa posições de prestígio.
Para entender o perfil de agressores com notoriedade pública, ouvimos o psicólogo clínico Dr. Guilherme Tavares:
“Muitos desses homens constroem uma imagem pública impecável, mas exercem controle e agressividade no ambiente privado. O poder e a fama funcionam como escudo emocional e jurídico.”
Já para a jurista e pesquisadora do sistema de Justiça, Dra. Marina Vilela, o problema é estrutural:
“O corporativismo é um fator de proteção. Quando o agressor é advogado, promotor ou juiz, as instituições tendem a relativizar o caso em nome da reputação da classe.”
Entre cancelamentos e aplausos
Nas redes sociais, a repercussão foi imediata. Seguidores se dividiram entre os que pedem a exclusão de seus perfis e os que relativizam o ocorrido, sugerindo que “não se deve julgar antes de ouvir os dois lados” — mesmo diante das evidências públicas. Hashtags como #JustiçaPorEla e #JoãoNetoViolento ficaram entre os assuntos mais comentados no Twitter na manhã seguinte à prisão.
A vítima, cujo nome será preservado, encontra-se sob medida protetiva e assistência psicológica.
O caso de João Neto não é isolado — mas precisa ser um marco. O silêncio institucional, quando se trata de membros da elite jurídica, contribui para a perpetuação da impunidade. Ética profissional não é ornamento, é limite. E quando ele é rompido, toda a estrutura perde credibilidade.
Se você ou alguém que você conhece está sofrendo violência doméstica, procure ajuda. Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher. O serviço é gratuito, sigiloso e funciona 24 horas por dia.