Investigação revela suposta operação da inteligência brasileira durante negociações de Itaipu; crise expõe fragilidade diplomática regional
Em um escândalo sem precedentes desde a fundação do Mercosul, surgem fortes acusações de que a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) teria conduzido operações de espionagem contra autoridades paraguaias durante as negociações da revisão do tratado da hidrelétrica de Itaipu, uma das maiores do mundo. O caso, ainda envolto em mistério e com partes sigilosas, ameaça desestabilizar o bloco regional e comprometer décadas de cooperação diplomática entre Brasil e Paraguai.
Itaipu: Poder e energia compartilhada
Construída na década de 1970 como um projeto binacional entre Brasil e Paraguai, a Usina Hidrelétrica de Itaipu é símbolo tanto de integração quanto de tensão. Situada no Rio Paraná, a usina gera energia para ambos os países, mas a divisão dos lucros e o preço da energia sempre foram pontos sensíveis.
Desde a renegociação do Anexo C do tratado — que trata das bases financeiras da operação —, o tema reacendeu ressentimentos históricos. Em 2019, um acordo considerado lesivo ao Paraguai quase derrubou o então presidente Mario Abdo Benítez. Agora, com novas revelações, o passado parece ressurgir com ainda mais força.
As acusações: ciberataques, escutas e um dossiê sigiloso
As alegações começaram a circular no início desta semana após uma reportagem conjunta de veículos paraguaios e uma plataforma internacional de jornalismo investigativo revelar que dados sensíveis de e-mails, conversas privadas e agendas de membros do governo paraguaio foram comprometidos durante a fase crítica das tratativas.
A suspeita inicial era de um ataque cibernético por um grupo não identificado, mas fontes ligadas ao governo de Assunção teriam cruzado metadados que remetiam a endereços IP vinculados a redes do governo brasileiro, incluindo unidades atribuídas à ABIN.
“Se for confirmado, trata-se de um dos maiores escândalos diplomáticos da história recente do Mercosul”, declarou Carla Romero, analista de segurança internacional da Universidade de Buenos Aires.
O governo brasileiro negou envolvimento e classificou as acusações como “especulativas e infundadas”. No entanto, a Chancelaria paraguaia exigiu explicações formais e convocou seu embaixador em Brasília para consultas — um gesto raro e politicamente carregado.
Um bloco em ebulição
A repercussão nas demais capitais do Mercosul foi imediata. A Argentina, historicamente crítica à política externa brasileira nos últimos anos, pediu uma “investigação independente” e sugeriu que o tema seja levado à próxima cúpula do bloco. O Uruguai, por outro lado, adotou tom cauteloso, mas alertou que “ações de inteligência contra membros do bloco comprometem a credibilidade da integração regional”.
Nos bastidores, diplomatas revelam um clima tenso:
“É diferente de uma ruptura democrática, como a que levou à suspensão temporária de países no passado. Aqui, se trata de uma violação da confiança entre parceiros soberanos”, afirmou um diplomata sul-americano, sob condição de anonimato.
Retaliações em debate
Fontes em Assunção sugerem que sanções econômicas ou até a suspensão do Brasil de fóruns internos do Mercosul estão sendo consideradas, dependendo da postura adotada por Brasília nos próximos dias. Há quem defenda, inclusive, a revisão de acordos bilaterais de cooperação energética e de inteligência.
Especialistas alertam que uma exclusão formal do Brasil seria improvável, mas o isolamento diplomático pode ser inevitável se a crise não for contida rapidamente.
“A espionagem contra um país vizinho é uma linha vermelha. Se cruzada, compromete não apenas acordos, mas o espírito do Mercosul”, pontua Eduardo Mello, professor de Relações Internacionais da FGV.
Brasil isolado? Um futuro incerto para o Mercosul
O escândalo chega em um momento crítico, com o Mercosul já enfrentando desafios internos sobre acordos comerciais com a União Europeia, disputas entre setores nacionalistas e liberais, e dúvidas sobre sua relevância no cenário global.
O suposto envolvimento da ABIN, ainda não comprovado oficialmente, levanta sérias questões sobre os limites éticos da política externa brasileira e a resiliência institucional do bloco.
O Mercosul resistirá a mais essa crise? Ou estará o Brasil se isolando de seus próprios vizinhos em nome de interesses estratégicos?