Nova medida supera em quase o dobro a atual tarifa média chinesa (125%) e sinaliza recrudescimento das tensões comerciais; impacto imediato no setor aéreo e tecnológico levanta temores de uma nova guerra tarifária global.
Por Charles Whitman – Washington, D.C. | Financial Times (edição internacional)
O governo dos Estados Unidos anunciou nesta quarta-feira a imposição de uma tarifa de 245% sobre uma ampla gama de produtos chineses, incluindo componentes de alta tecnologia, aço industrial e produtos do setor aeroespacial. A medida representa um salto significativo frente às tarifas anteriores e ultrapassa em quase o dobro a atual taxa média de retaliação da China, de 125%, reacendendo temores de uma nova rodada da guerra tarifária entre as duas maiores economias do mundo.
Tensão crescente desde a era Trump
A atual escalada é mais um capítulo das tensões comerciais que se intensificaram durante a administração Trump, particularmente entre 2018 e 2020, quando os EUA impuseram tarifas sobre US$ 360 bilhões em produtos chineses. Em resposta, Pequim retaliou com tarifas sobre cerca de US$ 110 bilhões em exportações americanas. Embora o “acordo de Fase Um” de 2020 tenha aliviado parte da tensão, muitos compromissos não foram cumpridos, e as tarifas nunca foram totalmente removidas.
Retaliações chinesas atingem setor aéreo
A resposta da China foi imediata. O Ministério do Comércio anunciou a suspensão de todas as aquisições de aeronaves comerciais da Boeing, além da proibição da importação de peças e manutenção de origem norte-americana. A medida deve atingir diretamente companhias como a United Airlines, que opera 38 aeronaves Boeing 787 na Ásia, e a FedEx, cuja frota depende amplamente de peças fabricadas nos EUA. Estimativas do Center for Aviation Economics apontam para uma perda potencial de US$ 4,2 bilhões em receitas para fabricantes e fornecedores americanos no curto prazo.
Tecnologia e indústria pesada sob risco
Além da aviação, Pequim sinalizou que pode restringir a exportação de terras raras — essenciais para a produção de semicondutores e veículos elétricos. Isso agrava um já tenso panorama para empresas americanas como Intel e Tesla, cujas cadeias de suprimento estão profundamente enraizadas em solo chinês. O setor de aço e alumínio também deve ser fortemente impactado: cerca de 26% do aço de uso industrial nos EUA é de origem chinesa, e analistas preveem um salto de 15% no custo médio por tonelada ainda no segundo trimestre.
“Isso é um tiro no pé para a indústria americana, que depende da China não só como fornecedora, mas como mercado consumidor”, afirma Dr. Lena Halvorsen, economista-chefe do Global Trade Forum, think tank com sede em Bruxelas.
“Estamos entrando em um ciclo de retaliações sem um mecanismo de saída clara. Isso pode paralisar o setor manufatureiro global nos próximos meses”, alerta Michael Cheng, estrategista de comércio internacional do EastWest Capital Group, em Hong Kong.
Pressão sobre alianças e organismos multilaterais
A imposição tarifária e as respectivas represálias chinesas aumentam a tensão diplomática em fóruns multilaterais como a OMC, que já enfrenta questionamentos sobre sua eficácia. Aliados dos EUA na União Europeia e na Ásia-Pacífico demonstram desconforto com o unilateralismo de Washington, temendo represálias cruzadas que prejudiquem o comércio global. A decisão também fragiliza os diálogos bilaterais em curso com o Japão e a Coreia do Sul para fortalecer cadeias de suprimentos alternativas à China.
Impacto imediato nos mercados
As bolsas globais reagiram negativamente. As ações da Boeing despencaram 8,6% no pré-mercado de Nova York, enquanto os papéis da Apple e da Nvidia caíram 5,2% e 6,4%, respectivamente, diante do temor de interrupções no fornecimento de componentes. Em Xangai, o índice CSI 300 teve alta de 3,1%, puxado pela valorização de commodities locais como lítio e níquel. O índice VIX, que mede a volatilidade de Wall Street, atingiu o maior nível desde março de 2023.
Cenários à frente: desaceleração ou diplomacia?
Especialistas avaliam que a China poderá responder com novas barreiras não tarifárias, incluindo restrições de investimentos e controle de exportações estratégicas. Há ainda risco de que negociações comerciais em andamento com outros parceiros — como o pacto transpacífico ou acordos bilaterais com países do Sul Global — sejam afetadas. No cenário mais pessimista, analistas do Bank of Western Economies preveem uma retração de até 0,6% no PIB global em 2025 caso as medidas se mantenham e se expandam.
“É o tipo de medida que pode parecer popular internamente, mas com altíssimo custo global — e potencial duradouro de fragmentação econômica”, conclui Halvorsen.