SALVADOR, BRASIL — Em um movimento que ecoa uma tendência nacional de valorização das forças de segurança, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), enviou à Assembleia Legislativa um projeto de lei que prevê uma reestruturação profunda da política remuneratória dos profissionais da Segurança Pública estadual. Com reajustes salariais entre 14% e 22%, a proposta busca, segundo o governo, corrigir distorções históricas e fortalecer o reconhecimento institucional das categorias, em especial após anos de estagnação.
O impacto orçamentário é robusto: R$ 372 milhões já em 2025, crescendo para R$ 849,8 milhões em 2026. Em meio a um cenário de desaceleração econômica e desafios fiscais crescentes nos estados, a proposta baiana chama atenção pelo escopo e pelo momento político, mas também acende alertas sobre sua sustentabilidade a longo prazo.
Um Cenário Nacional de Pressão e Reivindicação
A proposta de Jerônimo Rodrigues ocorre em consonância com um movimento nacional por melhores salários e condições de trabalho nas forças de segurança. Estados como São Paulo e Rio de Janeiro implementaram reajustes nos últimos anos, mas em patamares mais modestos: São Paulo, por exemplo, concedeu aumentos de 6% a 12% em 2023, enquanto o Rio de Janeiro aplicou um reajuste linear de 13% em 2022. A Bahia, com percentuais superiores, assume uma posição mais agressiva.
“O Brasil vive uma onda de insatisfação silenciosa nas polícias, alimentada por perdas salariais acumuladas e sobrecarga de trabalho”, explica Daniela Maia, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas especializada em segurança pública. “A Bahia sinaliza uma tentativa de resposta mais contundente, mas ainda é preciso ver como o mercado e o Fisco reagem.”
Reajustes Escalonados e Mudanças Profundas
O projeto de lei baiano contempla diferentes categorias da segurança pública — Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, Departamento de Polícia Técnica (DPT) e agentes penitenciários — com reajustes que variam entre 14% e 22%, divididos em três etapas: março de 2024, maio de 2025 e maio de 2026.
A reestruturação também prevê:
- Redução do interstício de promoção na Polícia Civil, passando de seis para três anos, o que deve acelerar a ascensão funcional de milhares de agentes.
- Aumento no auxílio-fardamento e reavaliação de gratificações específicas.
- Investimentos paralelos em armamentos, viaturas e infraestrutura das unidades policiais.
“Nossa proposta é fruto de diálogo e escuta. Reconhecemos o papel fundamental dos profissionais da segurança e queremos que eles se sintam valorizados, tanto no bolso quanto na estrutura de trabalho”, declarou o governador Jerônimo Rodrigues, em entrevista coletiva. “Estamos corrigindo anos de invisibilidade.”
O secretário de Segurança Pública, Marcelo Werner, reforçou o discurso: “Trata-se de uma política de estado, não de governo. Segurança pública eficiente passa, necessariamente, pela valorização dos seus quadros.”
O Olhar de Quem Está na Ponta
Entre os profissionais da segurança, a proposta é recebida com alívio e ceticismo. “É um passo importante. Há décadas pedimos um plano de carreira mais justo”, afirma um investigador da Polícia Civil que prefere o anonimato por temer represálias. “Mas é preciso garantir que não fique só no papel. Já vimos promessas como essa antes.”
Sindicatos da PM e da Polícia Civil emitiram notas de apoio à iniciativa, embora pressionem por prazos mais curtos de implementação e por uma política de reposição inflacionária permanente. “Não é apenas um reajuste, é uma reconstrução”, disse em nota a Associação dos Delegados da Bahia.
Impacto Fiscal e Sustentabilidade
Com um custo que ultrapassará R$ 1,2 bilhão até 2026, a proposta levanta dúvidas entre especialistas em finanças públicas. “A Bahia tem uma das maiores despesas com pessoal do país e enfrenta limitações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal”, explica o economista Henrique Bastos, do Instituto de Estudos Econômicos do Nordeste. “Sem crescimento da arrecadação, essas medidas podem pressionar outras áreas, como saúde e educação.”
O governo aposta em uma expansão da receita a partir de investimentos em turismo e infraestrutura, além de modernização da arrecadação tributária. Ainda assim, o cenário requer cautela.
Tramitação e Cenário Político
A expectativa é que o projeto tramite em regime de urgência na Assembleia Legislativa da Bahia, com possibilidade de votação já nas próximas semanas. O governo afirma contar com apoio sólido da base aliada, mas setores da oposição pedem audiências públicas e maior detalhamento sobre a fonte dos recursos.
Parlamentares da base progressista também demandam que os aumentos sejam acompanhados de políticas de controle interno e combate à letalidade policial, em linha com discussões sobre segurança cidadã.
Conclusão
A proposta de Jerônimo Rodrigues é, sem dúvida, uma das mais ousadas reformas remuneratórias das forças de segurança pública já propostas por um governo estadual. Ela posiciona a Bahia no centro do debate nacional sobre valorização profissional, mas também coloca o estado diante de um dilema fiscal significativo.
Se bem-sucedida, a medida pode se tornar um modelo para outras unidades federativas. Se mal gerida, pode comprometer as finanças do estado e gerar frustração em uma categoria que há muito clama por reconhecimento — não apenas em palavras, mas no contracheque.
“O maior investimento em segurança pública é em gente. Viatura se troca, farda se costura. Mas motivação e respeito se constroem com dignidade”, resume o secretário Werner.