A GUERRA NÃO DECLARADA
Na Bahia, o som que corta as madrugadas já não é o das ondas do mar ou da cultura efervescente do Axé. É o estampido das balas. O estado vive hoje um cenário que especialistas e moradores definem como “Buquelli”, um conceito informal usado para descrever o colapso social iminente – um estado de desordem onde o crime substitui o Estado e as regras são ditadas pelas facções.
O domínio de organizações como o Comando Vermelho e outras redes criminosas vindas do Rio de Janeiro e São Paulo transformou bairros inteiros em zonas de guerra. A Bahia de Todos os Santos caminha para se tornar a Bahia de Todos os Conflitos.
Segundo o Atlas da Violência 2023, publicado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estado ocupa o segundo lugar no ranking de homicídios absolutos do país, com números que rivalizam com regiões em conflito armado.
NÚMEROS DA BARBÁRIE
Os dados são brutais.
Em 2007, a Bahia registrou 3.331 homicídios. Ao fim da gestão de Rui Costa, esse número saltou para 6.771 mortes violentas intencionais por ano (Fonte: IPEA / Atlas da Violência 2023). Um aumento de mais de 100%.
No mesmo período, o Brasil como um todo teve queda nos homicídios, passando de uma taxa de 27,4 para 22,3 por 100 mil habitantes (Fonte: IPEA). Ou seja, enquanto o país recuava, a Bahia afundava.
Além das mortes, milhares de famílias estão sendo forçadas a abandonar suas casas em comunidades dominadas por facções. Segundo relatório de 2024 da ONG Justiça nos Trilhos, ao menos 4.500 pessoas foram deslocadas de seus bairros apenas em Salvador e RMS, em razão de conflitos armados e ameaças diretas.
QUANDO O CRIME VIRA GOVERNO
O que está acontecendo na Bahia não é apenas uma crise de segurança. É uma crise de soberania. Em diversos bairros de Salvador, Feira de Santana, Vitória da Conquista e outras cidades, o tráfico impõe toque de recolher, tributa pequenos comerciantes e veta a entrada de agentes do Estado.
Facções como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (PCC) exportaram seus modelos de poder para o interior baiano, explorando a fragilidade institucional e o abandono de políticas públicas nas periferias.
Com isso, surgem mercados paralelos de segurança, justiça e até saúde, controlados por criminosos. Moradores relatam que “a milícia do tráfico resolve mais rápido que a polícia”, segundo levantamento da ONG Observatório da Violência na Bahia (2023).
A ECONOMIA SOB CATIVEIRO
A presença constante do crime organizado desorganiza a economia local. Em áreas dominadas por facções, comércios são extorquidos, e o medo impede o funcionamento regular de escolas, unidades de saúde e transporte público.
De acordo com um estudo do Instituto Baiano de Desenvolvimento Social, mais de 12% da população economicamente ativa das periferias está inserida em economias informais ligadas direta ou indiretamente a grupos criminosos.
ONGs locais como o Projeto Vidas Negras Importam denunciam o agravamento da miséria, do desemprego e da evasão escolar em territórios afetados. “As comunidades estão literalmente cercadas pela violência”, afirma o relatório de 2024.
O ESTADO AINDA EXISTE?
A ausência do Estado em áreas críticas tem sido uma constante, independentemente da gestão. Comparando dados do próprio IPEA entre 2007 e 2023, observamos que os maiores picos de violência coincidem com ciclos de crescimento das facções.
Apesar de investimentos pontuais em segurança, a falta de políticas estruturantes e de continuidade intergovernamental contribuiu para o avanço do caos.
A sensação de abandono é generalizada. E isso tem um preço: a normalização do anormal, a institucionalização da barbárie.
BUQUELLI: O ALERTA QUE NINGUÉM OUVE
O termo Buquelli nasceu nas redes sociais e nas ruas de Salvador. É um grito coletivo de alerta. Reflete a percepção de que a Bahia está à beira de um colapso social irreversível. Não é apenas uma crise policial — é uma crise humanitária.
A escalada de homicídios, o deslocamento forçado de famílias, o domínio territorial de facções e o colapso dos serviços públicos configuram um cenário típico de guerra civil não declarada.
O que falta para as autoridades agirem diante desse cenário?
Se o Brasil ignora o que acontece na Bahia hoje, o país inteiro poderá viver o mesmo amanhã.